Joana Patrão
A brisa do maremoto, 2021
projeção de vídeo instalada no chão, 231 x 122 cm, vídeo DCI 4K (native – 4096 x 2160), 17:9, cor, 5’35’’, som stereo, loop.

A brisa do maremoto assume-se como um espaço de instabilidade, que encontra na pedra de lioz e na sua relação com a cidade de Lisboa o seu motivo de exploração. Desde a história natural de formação do lioz (que remonta há cerca de 97 milhões de anos, quando o território deLisboa estava submerso num mar, tal como é testemunhado pela presença fóssil dos rudistas); à sua história de extração e aplicação na cidade (em que se transforma num material nobre, símbolo de ostentação e poder); até ao seu papel na reconstrução da mesma cidade, após o terramoto, o maremoto e o incêndio de 1755. Na sedimentação, no uso enquanto pedra ornamental (que se prolonga até aos dias de hoje) e na sua consequente erosão, o lioz congrega em si uma série de forças conflituantes, que são trabalhadas nesta instalação.
O tremor constante do vídeo, resultado da instabilidade da câmara à mão, que deambula por várias pedras de lioz na cidade, alia-se ao processo de montagem, que considera o tempo como matéria escultórica. Entre dissoluções, cortes e modelações, sugerem-se as mutações temporais e físicas do lioz — a sedimentação, a fissura, a erosão.
Por sua vez, o som constrói-se através da manipulação das falhas, hesitações, respirações e silêncios presentes nas gravações da leitura de textos (excertos, apontamentos e referências), que foram sendo acumulados ao longo da construção do projeto.
Estes processos de formação e manipulação procuram aproximar as falhas do corpo às falhas geológicas, abrindo-se a possibilidade de especulação, e imersão, nestes interstícios.
Paradoxalmente, é a reflexão sobre o tempo geológico, que nos localiza num tempo muito maior do que a nossa escala, que se torna fundamental para redimensionar a nossa relação com os lugares que habitamos.
Se por um lado, os fósseis que calcamos recordam, através da sua formação, a ameaça de subida das águas do mar, por outro, a sua fossilização relembra o desaparecimento dos rudistas, resultado da última grande extinção em massa. Na invocação deste chão instável, A brisa do maremoto é uma reflexão sobre o passado, numa ansiedade de futuro.